Brasileiros descobrem novas estruturas no cérebro
Cientistas do Rio descobriram dois
feixes alternativos de neurônios que conectam os hemisférios de pessoas que
nascem sem o corpo caloso no cérebro. Estudo foi publicado na revista PNAS.
Herton Escobar / O Estado de S. Paulo
Cientistas brasileiros podem ter resolvido um mistério de certa forma
“fantasmagórico”, que assombra anatomistas e neurocientistas há quase meio
século: Como informações são transmitidas de um hemisfério para outro no
cérebro de pessoas que nascem sem o corpo caloso?
O corpo caloso, para entender o mistério, é uma estrutura fundamental
que conecta os dois hemisférios do cérebro (esquerdo e direito) como uma ponte
de cabos neuronais (axônios), através dos quais as informações transitam de um
lado para outro do órgão conforme necessário. Essa ponte não chega a ser vital
— pois há pessoas que nascem e vivem naturalmente sem ela –, mas é extremamente
importante para o funcionamento normal do cérebro.
Pessoas que tiveram o corpo caloso cortado cirurgicamente — algo que se
fazia no passado, como tentativa de tratamento para uma série de distúrbios
psíquicos e epilepsia — sofrem com uma série de sequelas. Entre elas, a
incapacidade de verbalizar o nome de objetos que são tocados com a mão
esquerda, porque o reconhecimento tátil do objeto é processado pelo hemisfério
direito, mas a fala é controlada primordialmente pelo hemisfério esquerdo, e o
sinal não consegue passar de um lado para outro. Ou seja, o paciente segura o
objeto e o reconhece com o hemisfério direito, mas não é capaz de dizer seu
nome com o hemisfério esquerdo, porque a informação tátil que é gerada de um
lado não consegue se conectar com a região de processamento da fala do outro
lado.
No final da década de 1960, porém, o neurocientista Roger Sperry descobriu
que pessoas que já nascem sem o corpo caloso não têm esse problema: elas podem
reconhecer e falar o nome de qualquer objeto, independentemente da mão que
estejam usando para segurá-lo. Ótimo! Mas como? Ninguém sabia dizer como um
hemisfério se comunicava com o outro na ausência do corpo caloso, e isso ficou
conhecido desde então como o “paradoxo de Sperry”.
Agora, pesquisadores brasileiros ligados principalmente ao Instituto
D’Or e à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) parecem ter finalmente
resolvido esse paradoxo. Eles investigaram o cérebro de pacientes com
disgenesia (ausência congênita) do corpo caloso e descobriram que eles possuem
duas “pontes” alternativas de cabeamento neuronal, que transferem informações
de um hemisfério para outro — restaurando assim, ao menos parcialmente, as
funções normalmente executadas pelo corpo caloso. A descoberta foi feita por
meio de técnicas avançadas de imageamento (ressonância magnética funcional e
imagem do tensor de difusão). Ninguém teve seu cérebro cortado para isso.
Rotas alternativas. Esses feixes não existem nas pessoas normais, segundo a
pesquisadora Fernanda Tovar-Moll, que assina o trabalho como primeira autora na
edição desta semana da revistaPNAS (link para o estudo: http://migre.me/jaHEV).
“São vias alternativas que se formam no cérebro desses pacientes para compensar
a ausência do corpo caloso”, disse ela ao Estado.
A exemplo do corpo caloso, essas vias alternativas são construídas de
aglomerados de axônios, mas não foi possível estimar quantas “fibras” estão
presentes em cada feixe (o corpo caloso tem aproximadamente 200 milhões de
axônios). “Para calcular isso seria preciso fazer uma análise do cérebro
pós-morte”, explica Fernanda. A espessura dos feixes, segundo ela, varia de um
paciente para outro, mas eles têm mais ou menos “o calibre de uma caneta”. Ou
seja, são estruturas robustas, que poderiam ser facilmente dissecadas com um
bisturi.
Seja qual for o número de axônios dentro deles, a funcionalidade dos
feixes foi comprovada pelos testes de reconhecimento tátil de objetos, nos
quais os pacientes sem corpo caloso se saíram tão bem quanto os indivíduos
sadios (controle), segundo o estudo.
Foram avaliados seis pacientes com disgenesia do corpo caloso, de ambos
os sexos, com idades entre 6 e 33 anos. Todos tinham os dois feixes
alternativos no cérebro, aparentemente desde o nascimento. Os cientistas
especulam que os feixes sejam formados ainda nos estágios iniciais do
desenvolvimento embrionário, quando a plasticidade anatômica do cérebro ainda é
bastante alta, como forma de compensar a ausência do corpo caloso.
O que não significa, necessariamente, que o problema esteja resolvido
desde o início. As manifestações clínicas da ausência do corpo caloso nos
adultos variam muito: desde casos de retardo mental severo até casos
aparentemente assintomáticos. “Tem gente que não sabe de nada, vai fazer uma
ressonância por causa de uma dor de cabeça e descobre que não tem corpo
caloso”, relata Fernanda. “Os efeitos são extremamente variáveis.” E os
cientistas não sabem explicar porquê.
Ou seja: um paradoxo foi resolvido, mas ainda há muitos mistérios para
se pesquisar. Imagine só!”
Fonte:ESCOBAR, Herton. Brasileiros
descobrem novas estruturas no cérebro. In http://blogs.estadao.com.br/herton-escobar/brasileiros-descobrem-novas-estruturas-no-cerebro. Acesso em 13/05/2014.
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